Fontes projetam danos à conservação ambiental, às pessoas e economias se forem aprovadas as alterações no licenciamento tramitando no Congresso Nacional. O texto será avaliado novamente na Câmara e depois vai à sanção ou veto presidencial.
Licenciar obras para que causem menos danos ambientais é regra no Brasil desde o início dos anos 1980. Graças a isso, variadas espécies estariam driblando a extinção, aponta Pedro Develey, diretor-executivo da ong Save Brasil.
Um caso é o da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), ave ameaçada que morre em choques com geradores eólicos e fiação de energia elétrica, na Caatinga do interior da Bahia.
“Por causa dos estudos de impacto ambiental e discussão com a sociedade civil, todo o projeto foi revisado e medidas de compensação estão sendo discutidas e implementadas”, ressalta o biólogo.
Outro exemplo vem da Serra do Mar no estado de São Paulo, onde a licença para um gasoduto disparou ações para proteger a também ameaçada jacutinga (Aburria jacutinga), um elegante emplumado da Mata Atlântica.
“A participação e conhecimento técnico dos gestores das unidades de conservação afetadas foram chaves para a determinação das compensações ambientais”, detalhou Develey.
Ele lembra que os dois empreendimentos estão implantados e operando, com critérios de proteção ambiental. “São exemplos de como é necessário e possível respeitar os processos [de licenciamento]”, ressalta o especialista.

O papel do licenciamento para conter perdas de variedades de vida selvagem também é destacado por mais de 60 cientistas ligados ao Centro de Conhecimento em Biodiversidade, que pesquisa sustentabilidade e ecologia dos biomas brasileiros.
Segundo eles, rebaixar regras para licenças trará “consequências catastróficas”, como maior desmate no país todo, mais desastres como enchentes e incêndios e uma escalada de violações de direitos de povos indígenas e tradicionais.
“Este é um dos maiores retrocessos ambientais já propostos no Congresso. Sua aprovação abrirá as portas para a degradação legalizada e sistemática do patrimônio natural e cultural brasileiro”, destaca uma análise da entidade.
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O projeto afrouxando o licenciamento segue para reavaliação na Câmara após ar pelo plenário do Senado, onde recebeu 13 votos contrários e 54 a favor – inclusive de siglas da base governista. Quatorze senadores não participaram da votação.
Depois de aprovado, o texto pode ser sancionado ou vetado pela Presidência da República. Em seguida, o Congresso, com ampla maioria de votos de oposição ao governo, ainda pode derrubar vetos de Lula. Sua conversão em lei ameaça a proteção ambiental no país.
Afinal, a proposta dispensa de licenças obras de médio impacto, desobriga estudos prévios para grandes obras, rea responsabilidades para estados e municípios – muitos sem capacidade técnica – e permite licenças por autodeclaração, como já fazem estados como Bahia, Pará e São Paulo.
Para o biólogo Pedro Develey, diretor-executivo da ong Save Brasil, isso aumenta as chances de se eliminar animais e plantas nativos, sobretudo em pequenas florestas e outros ambientes naturais.
“Essas áreas precisam de cuidados especiais, pois qualquer desmatamento pode ser crucial para espécies que já estão no limite da extinção”, destaca o especialista em conservação.
Contudo, apesar de pontos com viés inconstitucional, com as licenças por autodeclaração, a proposta geral atende à legislação e Constituição federais, avalia Alexandre de Almeida, orientador dos programas de pós-graduação em Gestão Pública, Ciências Ambientais, Gestão e Regulação de Recursos Hídricos da Universidade de Brasília (UnB).
“O projeto traz poucas inovações, em geral agrega em uma lei federal os procedimentos que já ocorrem nos estados. Não vejo retrocesso e nem grandes avanços, o que vejo é uma tentativa de organizar um arcabouço legal complexo em um marco regulatório único para o licenciamento”, avalia.

Já a gerente de Políticas Públicas da ong Proteção Animal Mundial no Brasil, Natália Figueiredo, reforça que a proposta dispensa estudos ou acompanhamento de impactos da agropecuária. “Isso trará mais mortes de animais”, avisa.
O alerta vale para pastagens cultivadas, entre os maiores consumidores de venenos agrícolas, junto à soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. “O agronegócio é um dos maiores usuários mundiais de químicos, incluindo agrotóxicos”, lembra Figueiredo.
Isso afeta a vida selvagem e as pessoas. ((o))eco revelou que moradores do Mato Grosso do Sul estão contaminados com agrotóxicos e metais pesados oriundos de grandes lavouras. Isso foi descoberto com testes em antas (Tapirus terrestris).
Mas, os estragos podem ser maiores. Presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA), Tânia Maria de Souza afirma que rebaixar as regras para licenças será ainda mais danoso nos estados, que somam 90% das autorizações no país.
“A proposta desmonta uma ferramenta crucial da gestão ambiental brasileira e dá espaço para maior ingerência política e econômica nos licenciamentos”, avalia a servidora no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Para ela, o projeto legislativo converte de vez o licenciamento num simples “ato de cartório” e ameaça esforços para enfrentar as crises climática e da perda de biodiversidade. “Perderemos um instrumento fundamental para cumprir a Constituição”, aponta.
Já para o cientista Alexandre de Almeida (UnB), os impactos do PL na perda de biodiversidade a nas condições climáticas “locais” são marginais, pois simplificar o licenciamento não se traduz em falta de regras, resultados piores para o meio ambiente ou licenças automáticas para desmatar.
“O Código Florestal, a lei da Mata Atlântica, procedimentos para supressão de vegetação, outorga de recursos hídricos, entre outros, continuam regulando os empreendimentos e influenciando o seu licenciamento”, lembra o também doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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A análise do Centro de Conhecimento em Biodiversidade alerta que implodir o licenciamento restringirá ganhos da agricultura, exportações e investimentos estrangeiros. Isso também pode emperrar os planos do país para se reposicionar como um líder global em proteção ambiental e do clima.
“O PL 2.159/2021 vai na contramão de tudo o que o mundo espera de um país megadiverso como o Brasil. Fragiliza os órgãos ambientais, incentiva grilagem de terras, desmate e ignora completamente os impactos cumulativos das atividades humanas sobre os ecossistemas”, destaca a entidade.
Outros efeitos colaterais da derrocada do licenciamento ambiental podem ser uma avalanche de processos judiciais contra obras causadoras de danos socioambientais, atrasos e cancelamento de projetos de infraestrutura, como rodovias e barragens.
“O projeto pode expor o país à perda de competitividade, aumento de ivos ambientais e até crises sanitárias, como surtos de doenças ligadas ao desequilíbrio ecológico, especialmente em regiões como a Amazônia e o Cerrado”, lembra o Centro de Conhecimento em Biodiversidade.
Por sua vez, o orientador dos programas de pós-graduação em Gestão Pública, Ciências Ambientais, Gestão e Regulação de Recursos Hídricos da Universidade de Brasília (UnB), Alexandre de Almeida, analisa que a proposta pode reduzir ações judiciais contra empreendimentos.
“O aumento da judicialização ocorre quando as regras são diversas e desalinhadas, o que é o principal problema que o PL pretende minimizar”, destaca o doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Contudo, a vida de empreendedores pode se complicar caso as normas estaduais sejam mais diferenciadas com a mudança nas regras federais. “Será um tiro no pé até para quem quer facilitar o licenciamento”, destaca Pedro Develey (Save Brasil).
Todavia, Alexandre de Almeida (UnB) avalia que isso seria mais provável se o licenciamento federal se tornar mais restritivo que o dos estados. “Certamente teremos uma maior confusão e judicialização dos processos de licenciamento, o que não parece ser o caso”, pondera.
Ao mesmo tempo, o pesquisador acredita ser possível agilizar e qualificar o licenciamento no país com medidas como melhorar estudos de impactos ambientais, disseminar boas práticas, eliminar informações desnecessárias e integrar bases públicas de dados.
Outros pontos chave são contratar e capacitar mais servidores, bem como melhor organizar o trabalho e a cooperação entre órgãos licenciadores. “Por fim, analisar a efetividade de regras que estabelecem prazos para deliberação do órgão ambiental e dos órgãos intervenientes”, encerra.
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