Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   j722x

Câmara ressuscitou “jabutis” da privatização da Eletrobras e assegurou a contratação, até 2050, de termelétricas movidas a gás e carvão. Governo estuda veto

Ellen Nemitz ·
18 de dezembro de 2024

O urgente projeto de tornar o setor elétrico brasileiro mais verde sofreu um importante revés no Congresso Nacional. O Projeto de Lei n. 576/2021, que traz uma esperada regulamentação da outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore (em alto mar), foi aprovado com um grande “jabuti” – o incentivo às termelétricas à carvão e gás até 2050.

O Marco Regulatório das Eólicas em Alto-Mar, de autoria do senador Jean-Paul Prates (PT/RN), delimita regras para o aproveitamento das águas marinhas brasileiras para a instalação de usinas de captação da energia dos ventos na costa. O texto veda, por exemplo, a instalação das plantas em rotas de navegação, áreas protegidas pela legislação ambiental e áreas tombadas como paisagem cultural e natural, além de restringir o conflito de interesses econômicos em regiões já utilizadas pela indústria offshore de petróleo e gás. 

No entanto, a redação final aprovada pelo Senado na última quinta-feira (12), e que segue para sanção presidencial, é um substitutivo na Câmara dos Deputados que reedita os jabutis da privatização da Eletrobras pela Lei 14.182/2021 e insere obrigatoriedades em relação à produção de energia termelétrica de fontes sujas, como gás e carvão. 

O texto assegura a contratação de reserva de capacidade de termelétricas com efetividade até 31 de dezembro de 2050, além da contratação de energia oriunda de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), de hidrogênio líquido gerado a partir de etanol e da produção de parques eólicos. A matéria ou pela Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) no início do mês, onde recebeu relatoria favorável do senador Weverton Rocha (PDT-MA), e foi a votação em plenário a toque de caixa.  

De acordo com o gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Ricardo Lacerda Baitello, esta versão do “jabuti” é ainda mais preocupante, porque, embora reduza a obrigatoriedade de contratação de 8 GW para 4,25 GW, aumenta as chances de sucesso nos leilões futuros ao ajustar o preço teto, tornando o investimento mais atraente para empresas – um dos motivos que fizeram leilões anteriores serem fracassados foi o fato de o texto da Lei de Privatização da Eletrobras prever a instalação das usinas em regiões do país sem infraestrutura de gasodutos, uma estratégia para fomentar o desenvolvimento, mas que encarece os custos dos empreendimentos. “Outro fator é a extensão da vida útil das térmicas a carvão, que já estava em 2040 e vai para 2050″, acrescenta Baitello.

De acordo com estimativa feita pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a mudança proposta pela matéria pode representar um aumento de 9% no custo da energia e uma despesa anual de R$21 bilhões em subsídios até 2050. Além disso, o Instituto Arayara, que classificou o substitutivo como “o maior retrocesso para a transição energética justa e sustentável no Brasil”, destaca que as emendas pró-gás natural e carvão mineral adicionadas ao projeto têm o potencial de gerar 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao longo dos próximos 25 anos – um volume comparável às emissões anuais combinadas do setor de transportes e da produção de combustíveis fósseis no Brasil. “Esse retrocesso ambiental ameaça neutralizar os avanços obtidos com a redução do desmatamento da Amazônia entre 2022 e 2023, comprometendo os esforços do país no combate às mudanças climáticas”, afirma a nota do Arayara. 

Na votação, o texto substitutivo teve 40 votos favoráveis e 28 contrários. De acordo com a Coalizão Energia Limpa, em análise prévia à aprovação do texto em plenário, os senadores governistas Otto Alencar (PSD/BA) e Jaques Wagner (PT/BA) haviam sinalizado que a decisão ainda pode ser revertida por veto presidencial, mas que o caminho é bastante incerto. Baitello também avalia que é difícil prever, neste momento, se o governo vai vetar os jabutis e aprovar o marco regulatório em sua versão original. 

O Instituto Arayara destaca ainda que esta não é a primeira tentativa da indústria do carvão de fazer lobby em prol da energia suja dentro de projetos que deveriam tratar da transição para uma matriz mais sustentável, e que a aprovação do substitutivo com os jabutis entra em contradição com outro projeto votado na mesma semana: o PL 327/2021, que institui o Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN), cujo objetivo é justamente incentivar a substituição de matrizes poluentes por fontes renováveis. 

O panorama da energia eólica offshore 4p5e2u

Atualmente o Ibama tem mais de 100 pedidos de licenciamento ambiental protocolados, em um dos filões econômicos mais visados pela indústria de olho no potencial eólico do país. A produção de hidrogênio verde – tipo de combustível catalisado pela energia renovável dos ventos – é o carro-chefe de boa parte dos empreendimentos e consta nos projetos de transição energética do governo brasileiro

Vale lembrar, contudo, que a mera aprovação de um marco regulatório, embora muito aguardada pelos setores que acompanham a transição energética, não garante a sustentabilidade do setor. Devido à complexidade destes empreendimentos, os quais impactam diretamente um delicado ecossistema marinho, é necessário que os estudos técnicos e relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA), previstos no PL 576/2021, sejam levados a cabo pelas empresas e devidamente exigidos pelos órgãos ambientais competentes, como já mostrou esta reportagem de ((o))eco. 

“A gente precisaria de um processo mais amplo. No IEMA a gente tem discutido a possibilidade de revisão deste processo no qual muita pressão é colocada sobre o licenciamento, sobre um órgão ambiental [o Ibama] para fazer a discussão com a sociedade e os [setores e pessoas] impactados. A gente defende uma revisão para um processo mais estrutural em que se possa discutir os projetos antes de eles serem leiloados ou arrematados”, explica Ricardo Baitello.

  • Ellen Nemitz 4v2p23

    Jornalista especializada em cobertura de meio ambiente e direitos humanos, com experiência e mentoria em jornalismo de soluções pelo Solutions Journalism Program.

Leia também 204l3u

Reportagens
9 de fevereiro de 2023

Impacto da exploração de energia eólica em alto mar ainda precisa ser dimensionado 3w291c

Impulsionada pela promessa de descarbonização, eólica offshore é desafio para a área de licenciamento. Softwares que mapeiam áreas sensíveis podem auxiliar demanda

Reportagens
26 de janeiro de 2024

Sem planejamento, Brasil segue no escuro sobre futuro energético d432m

Ausência de plano de descarbonização e de avaliação ambiental estratégica deixam Brasil à deriva sobre cumprimento das metas de redução de emissões

Colunas
28 de novembro de 2024

A Lei das Eólicas Offshore é um presente grego 14p1p

Sob a promessa de potencializar uma transição energética no Brasil, o Projeto de Lei das Eólicas Offshore (PL 576/2021) é controverso ao beneficiar o setor do carvão e gás

Mais de ((o))eco 49445w

mudanças climáticas v6h1u

Salada Verde

Organizações brasileiras pedem que Lula deixe de comercializar petróleo para Israel 1h5do

Salada Verde

Evento ambiental reúne diferentes vozes na Lapa 2d4h63

Salada Verde

Na ONU, Lula pede por mais proteção aos oceanos para combater mudanças climáticas 5p1y5q

Podcast

Entrando no Clima #48 – A necessária sinergia entre as COPs em debate 1b112c

clima e energia 46123e

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva 30ui

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático g68m

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 5h2742

Notícias

Mesmo em meio à tragédia do RS, Congresso ainda trava aprovação de pautas climáticas 1w5c3i

política ambiental 6x3sf

Salada Verde

Organizações brasileiras pedem que Lula deixe de comercializar petróleo para Israel 1h5do

Notícias

Servidores denunciam situação precária em florestas nacionais sulistas ocupadas 2v3z2c

Salada Verde

Evento ambiental reúne diferentes vozes na Lapa 2d4h63

Salada Verde

Na ONU, Lula pede por mais proteção aos oceanos para combater mudanças climáticas 5p1y5q

Capa 526h6

Fotografia

A Catedral de Mármore 1hu3d

Fotografia

Um monte entre as nuvens 3c3i3a

Fotografia

Uma praia sem mar 5t1266

Fotografia

Preikestolen, o Púlpito de Pedra 52t4l

Deixe uma respostaCancelar resposta 2c1q6t

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.