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De olho no clima e na imprensa: o monitoramento do Observatório de Jornalismo Ambiental sobre a cobertura das enchentes no RS 4q4p63

Observatório não só informa sobre a emergência climática mas também instiga o público a analisar criticamente o papel da imprensa diante desse cenário

25 de julho de 2024
  • Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental 615f35

    Busca contribuir na constituição de um referencial teórico sobre jornalismo ambiental em perspectiva interdisciplinar

  • Clara Aguiar 2x4r13

    Estudante de Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS

  • Eloisa Beling Loose 5b2ey

    Professora e pesquisadora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). Doutora em Comunicação pela UFRGS e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

“Importante dizer que, para que os fatos ambientais sejam transformados em preocupação pública (e, quiçá, em ações para evitá-los ou manejá-los), a mediação da imprensa se faz fundamental (Hannigan, 1995).” (Loose et al., 2022, p.10).

Jornais do mundo todo têm noticiado os sucessivos eventos extremos que afetaram o Rio Grande do Sul nos últimos tempos. Fortes chuvas, ciclones e enchentes provocaram um rastro de destruição e perdas significativas em todo o estado. Enchentes ocorridas em abril e maio deste ano resultaram na morte de 182 pessoas e no desalojamento de outras 500 mil. Em 2023, eventos similares já haviam causado a morte de 16 pessoas em junho, 54 em setembro e cinco em novembro. Apesar do pico de atenção midiática desencadeado pela extensão e gravidade dos impactos, é sabido que os riscos climáticos, antecessores dos desastres, nem sempre são acompanhados de perto pelos jornalistas. Da mesma forma, os contextos de vulnerabilidade social, muitas vezes resultados de problemas crônicos, também tendem a ser invisibilizados no dia a dia.  O trabalho de acompanhamento sistemático da cobertura climática e a proposição de novos olhares sobre as pautas são objetivos do Observatório de Jornalismo Ambiental.

No estudo “Jornalismo e engajamento climático””, pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) apontam a prática jornalística como um instrumento para abrir discussões e conscientizar sobre as mudanças climáticas. No entanto, a cobertura da imprensa precisa se aproximar mais do público, reduzir o uso de termos técnicos, denunciar os responsáveis pelas crises ambientais e expandir além das pautas sobre a Amazônia. Como pudemos observar, outras regiões do país – a exemplo do Rio Grande do Sul – são tão vulneráveis às mudanças climáticas quanto.

Sob o olhar dos autores, o jornalismo desempenha “um papel crucial na amplificação da discussão, definição de sentidos, apresentação de argumentos, valores e visões de mundo a respeito das mudanças climáticas”. Alinhados a esse pensamento, pesquisadores do Observatório de Jornalismo Ambiental conduziram, nos últimos meses, uma análise abrangente da cobertura jornalística sobre as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, baseando-se nos pressupostos do Jornalismo Ambiental (JA). Sendo eles: 1) Ênfase na contextualização; 2) Pluralidade de vozes; 3) Assimilação do saber ambiental; 4) Cobertura sistêmica e próxima à realidade do leitor; 5) Comprometimento com a qualificação da informação; 6) Responsabilidade com a mudança de pensamento; 7) necessidade de incorporar ao JA a ideia de precaução e 8) dar mais ênfase às conexões que atravessam diferentes escalas. 

O trabalho do referido Observatório consiste na produção de críticas de mídias, as quais examinaram minuciosamente a cobertura realizada pelos veículos jornalísticos sobre as enchentes que assolaram todo o estado. Estes textos oferecem uma análise com base nos pressupostos do JA, buscando promover a leitura crítica dos meios e das questões ambientais, listamos abaixo alguns exemplos do que foi publicado logo após a eclosão do desastre em solo gaúcho.

No primeiro texto publicado no dia 7 de maio, intitulado “RS embaixo d’água: observações neste início da cobertura do desastre”, refletimos sobre a importância de ir além da simples descrição dos eventos e considerar as causas subjacentes e estruturais dos desastres. Enfatizamos a necessidade de a imprensa questionar a falta de investimento em prevenção e adaptação às mudanças climáticas e as decisões governamentais que aumentam a vulnerabilidade da população. No texto, discutimos a naturalização dos desastres e a tendência de culpar apenas os fenômenos naturais, sem reconhecer a contribuição das ações humanas e a importância de um planejamento adequado. Apontamos a  necessidade de um jornalismo que contextualize os eventos no cenário maior das mudanças climáticas e das escolhas político-econômicas que exacerbam suas consequências.

Em outro texto publicado, “Tragédia no RS: jornalismo deve abordar causas e conexões entre eventos climáticos extremos”, destacamos a responsabilidade do jornalismo em não apenas cobrir, mas também aprofundar as causas e consequências desses eventos, enfatizando a conexão entre o desmatamento na Amazônia e as enchentes no RS, e sublinhando como a destruição de biomas afeta diretamente os padrões climáticos e aumenta a vulnerabilidade às catástrofes. Além disso, tratamos da ampliação do vocabulário jornalístico para abranger não apenas perdas de florestas, mas também de vegetação nativa em geral, incluindo biomas como o Pampa. A nossa reflexão ressalta a importância de vincular as decisões políticas, como o projeto de redução da reserva legal na Amazônia, aos impactos ambientais concretos, promovendo uma cobertura mais integrada e educativa sobre a crise climática.

Sob o título “O papel dos veículos independentes na cobertura da catástrofe do Rio Grande do Sul”, debruçamo-nos sobre os veículos independentes, como o Sul 21, Brasil de Fato RS, Agência Pública e Intercept Brasil. Estes veículos operam fora do domínio da mídia hegemônica, reportando a falta de responsabilidade dos governantes e trazendo à luz informações negligenciadas pela imprensa tradicional. Ao destacar falhas na política ambiental, desigualdades sociais intensificadas pelas enchentes e conflitos de interesse na gestão pública, esses meios jornalísticos exercem um papel de defesa dos direitos à informação e expressão, essenciais para uma sociedade democrática e engajada. Esse tipo de cobertura está intimamente relacionado aos pressupostos do Jornalismo Ambiental, que se apresenta como uma prática informativa e pedagógica engajada com o cuidado ambiental.  Além de noticiarem os impactos das enchentes no estado, os veículos mencionados também examinaram as políticas governamentais e suas consequências ambientais. Essa abordagem, mais questionadora do status quo, traz a questão da responsabilização.

Já em “A responsabilidade da imprensa hegemônica na catástrofe climática do RS”, argumentamos que, enquanto a sociedade se mobiliza para salvar vidas e lidar com as consequências, a imprensa tradicional muitas vezes falha em antecipar riscos ambientais e em cobrar responsabilidades. Destacamos também que o jornalismo frequentemente evita cobrir riscos ambientais devido à incerteza científica e à falta de ações concretas das autoridades. Além disso, a reestruturação das redações, com a dispensa de jornalistas experientes, e a falta de setorização nas editorias também contribuem para esse distanciamento das pautas de alerta. Assim, a reflexão central do texto é a necessidade de um jornalismo mais proativo e responsável, capaz de não apenas relatar crises, mas também de investigar e informar sobre suas causas e prevenção.

Para pensarmos sobre a responsabilidade do jornalismo diante dos impactos duradouros do desastre climático, o texto “Jornalismo de soluções ou mais do mesmo: o insuficiente discurso da reconstrução” explicita que enquanto a imprensa tradicional enfatiza uma narrativa de reconstrução e soluções uniformes, negligencia-se a diversidade de impactos sociais, econômicos e ambientais que requerem abordagens mais complexas e críticas. A cobertura jornalística, embora promovida como “jornalismo de soluções”, muitas vezes falha em questionar as raízes estruturais do problema, como políticas públicas inadequadas e modelos econômicos predatórios. A urgência de enfrentar crises climáticas requer não apenas respostas imediatas, mas uma transformação profunda em nossos sistemas de produção e políticas públicas.

Ao analisar criticamente a cobertura jornalística sobre questões ambientais, o Observatório de Jornalismo Ambiental não só informa sobre a pauta climática, mas também instiga o público a analisar criticamente o papel da imprensa diante desse cenário. Também contribui para a compreensão pública dos desafios climáticos e busca promover medidas de prevenção. Ao analisar a cobertura jornalística em curso – partindo das pesquisas sobre o jornalismo ambiental –, objetivamos colaborar para  mudanças de mentalidade e comportamento frente às mudanças climáticas. Acompanhe as produções do Observatório de Jornalismo Ambiental em nosso perfil no Instagram (@jornalismoemeioambiente).

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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